
O câncer é uma doença que apresenta crescente incidência na população mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde são mais de 8,8 milhões de pessoas que morrem por ano. Isso representa um custo muito grande no nível econômico e social, pois são mobilizados diversos recursos para atender aos pacientes, como medicamentos, profissionais de saúde, infraestrutura de hospitais, além do tempo e da atenção dos familiares e cuidadores. Além desses gastos, o impacto individual na vida de milhares de pacientes que enfrentam a doença e seus familiares é outro viés dessa conta. Gastos e impactos são inevitáveis, mas podem ter sua amplitude reduzida com investimentos, otimizações e com um olhar mais profundo sobre o valor agregado dos tratamentos.
O Câncer no Mundo
Antes de examinarmos os custos do câncer é preciso ter um panorama sobre a situação da doença no mundo. Dados da OMS, de 2017, indicam que mais de 14 milhões de pessoas desenvolvem câncer todos os anos, e esse número deve subir para mais de 21 milhões de pessoas em 2030.
O câncer de mama é o de maior incidência, sendo seguido pelo de pulmão, fígado, colo do útero, estômago e colorretal. Já em relação às taxas de mortalidade as maiores estão no câncer de pulmão, fígado e estômago.
Os custos do câncer
Como qualquer doença, o câncer tem um custo que varia de acordo com as diferentes dimensões analisadas, como os custos econômicos (diretos e indiretos) e os sociais. Abaixo, apresentamos as definições elaboradas pelo pesquisador André Medici.
– Custo Econômico (CE): é o custo material associado às despesas com promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação dos pacientes de câncer e também com o custo das oportunidades perdidas pelos pacientes de câncer para a sociedade e para suas famílias. Eles são divididos em diretos e indiretos.
- Custos econômicos diretos (CD): aqueles associados à promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação do câncer em distintos estágios da evolução da doença.
- Custos econômicos indiretos (CI): perdas econômicas geradas pelo câncer para a economia e para as famílias, tais como perdas de produtividade por dia de trabalho perdido, as perdas salariais ou de renda, as perdas em dias de aprendizado, etc.
– Custo Social (CS): são os custos associados ao impacto da doença em aspectos emocionais e cognitivos das famílias, amigos, dos pacientes e cuidadores, contabilizando as consequências tangíveis (materiais) e intangíveis (qualidade de vida) e na produtividade das pessoas. É um custo difícil de mensurar e provavelmente é subestimado nos levantamentos realizados.
– Custos Totais do câncer (CT): É a soma dos CE com os CS. Nem sempre é possível estimar ou determinar esse custo dada a existência de aspectos subjetivos na mensuração dos custos sociais do câncer.
A American Cancer Society (ACS) realizou, em 2010, um levantamento para estimar quais seriam os custos anuais do câncer a nível mundial, o resultado chegou aos seguintes números:
– Custos econômicos diretos: US$ 290 bilhões;
– Custos econômicos indiretos: US$ 895 bilhões de dólares;
– Custos Sociais: US$ 1,16 trilhões de dólares.
Um dos motivos desses custos serem tão elevados é porque a maior parte dos casos de câncer ocorrem em pessoas relativamente jovens, tem seu diagnóstico realizado tardiamente necessitando de medicamentos e tecnologias mais caras. Resultado de políticas públicas reativas que focam apenas no diagnóstico, sem se preocupar com a prevenção e a promoção da doença. O que faz com que milhares de dólares sejam desperdiçados, impedindo um combate mais eficiente e uma melhor qualidade de vida para os pacientes e a população em geral.
O custo do câncer no Brasil
No Brasil, alguns estudos buscam estimar os custos com o câncer. Em um levantamento realizado com dados do Ministério da Saúde – disponíveis no DataSUS – o pesquisador André Medici chegou aos custos econômicos diretos do câncer no Sistema Único de Saúde – dados parciais que incluem gastos com cirurgias, quimio e radioterapia, sem levar em conta gastos com prevenção e promoção.
Em 2005, o valor alcançava R$ 1.128,6 bilhões (R$ 140,3 milhões em cirurgias e R$ 988,3 mi em quimio e radioterapia). Quase uma década depois, em 2014, os custos chegaram a R$ 2.496 bilhões (R$ 419 milhões de reais com cirurgias e R$ 2.077 bi com quimio e radioterapia).
Já um levantamento do Instituto Nacional do Câncer apontou que os custos econômicos diretos do câncer no Brasil (levando em conta a cirurgia oncológica, radioterapia, quimioterapia e iodoterapia do CDT) era de R$ 470,05 milhões em 1999, passou para R$ 1.569 bi em 2009 e chegou a R$ 3.280,25 bi em 2015.
Já os custos econômicos indiretos foram levantados pela Agência Internacional para Pesquisa do Câncer (IARC, na sigla em inglês), órgão ligado às Nações Unidas. A estimativa é de que o Brasil tenha um gasto de US$ 4,6 bilhões anuais – em torno de R$ 15 bilhões ou 0,21% de toda a riqueza gerada em um ano.
O cálculo para esta estimativa levou em conta a renda média dos profissionais, quantos anos deixaram de ser trabalhados e com quanto eles poderiam ter contribuído economicamente por meio de salário e emprego até o final da carreira. O levantamento não levou em conta crianças, pessoas que estavam em idade de aposentadoria e os gastos de saúde com os doentes.
Custo versus Valor: a necessidade de uma análise que vá além dos custos diretos
É importante levar em conta quando se analisa os impactos do câncer na sociedade o valor que determinados tipos de exames e tratamento têm para a economia e também para os pacientes.
Muitas vezes os gestores públicos na hora de avaliar, por exemplo, a inclusão de novos medicamentos no SUS, acabam por focar a análise em custos econômicos diretos, ou seja, os impactos que eles irão trazer no orçamento da União.
No entanto, obviamente, essa é uma análise incompleta, pois um tratamento que, por exemplo, traga mais qualidade de vida, aumente a capacidade da pessoa de resistir à doença e permita que o paciente siga trabalhando ou reduza sua dependência de um familiar que eventualmente deixaria o seu emprego para acompanha-lo, reduz os outros impactos do câncer, além de ter um valor imensurável para essas pessoas. A campanha #PacientesNoControle que a FEMAMA fez, no ano passado, para incentivar a inclusão de dois medicamentos para câncer de mama metastático (estágio 4) no SUS oferece uma boa maneira de olhar para a questão.
O câncer de mama na fase metastática permite o controle da doença através do tratamento, evitando sua progressão e manejando seus impactos na vida do paciente. Os medicamentos trastuzumabe e o pertuzumabe, objetos da campanha, permitem que uma mulher com câncer de mama no estágio 4 viva por mais tempo, com mais qualidade de vida, com a possibilidade de continuar trabalhando se assim desejar, além de benefícios psicológicos para ela e sua família, como a possibilidade de realizar sonhos pessoais ou estar presente em momentos importantes da trajetória de seus filhos, por exemplo. Ou seja, apesar de representar um custo econômico direto a mais, a oferta desses medicamentos gera impactos positivos que reduzem os impactos negativos. O retorno nesse caso não é a cura em si, mas todos os benefícios que o medicamento pode trazer para a vida das pessoas e a economia.
Além disso, é preciso levar em conta que muitas pacientes podem ter alcançado este estágio da doença devido à demora no acesso a diagnóstico ou tratamento da doença. Neste sentido, o próprio investimento no diagnóstico precoce do câncer e tratamento ágil tem um importante valor, pois além de evitar a necessidade de tratamentos mais complexos, invasivos e dispendiosos, amplia as chances de cura, recuperando vidas para o convívio social.
A promoção de hábitos saudáveis e autocuidado e a prevenção dos fatores de risco que podem levar ao câncer é um dos caminhos para isso. Alguns estudos apontam, por exemplo, que 1/3 dos casos de câncer poderiam ser evitados com a modificação da exposição aos fatores de risco – como o tabaco.
Além disso, é necessário investir numa rede pública que torne possível o diagnóstico precoce. No Brasil, em 2010, segundo o Tribunal de Contas da União, 60,5% dos casos de câncer foram diagnosticados nos estágios 3 e 4, que envolvem um tratamento muito mais complexo do que os estágios 0, 1 e 2.
Para se ter uma ideia um estudo da UNIMED-BH com 447 pacientes com câncer detectados em estágio avançado, entre 2008 e 2010, revelou que o custo de tratamento de US$ 35 mi seria de apenas US$ 5 mi se a doença tivesse sido detectada na fase inicial. Somado a isso, com maior promoção, prevenção e detecção precoce, os casos de câncer aparecem cada vez mais tarde, possibilitando que uma parcela da população continue economicamente ativa por mais tempo.
Ou seja, além de custos precisamos falar sobre valor quando estamos tratando do câncer. Para além dos impactos financeiros de um novo tratamento ou do investimento em diagnóstico e prevenção, qual valor eles terão na sociedade, no dia a dia das pessoas e, principalmente, quantas vidas poderão salvar.
Nas próximas semanas vamos abordar a Avaliação de Tecnologia em Saúde – processo pelo qual novas tecnologias passam para serem incluídas ou retiradas dos sistemas de saúde no Brasil – e o Real World Data – uso de informações da “vida real” para análise do impacto de tecnologias na vida dos pacientes. Siga nos acompanhando por aqui e pelas nossas redes sociais.
No dia 27 de setembro, a FEMAMA apresentará, a partir das 9h, no Teatro do 5º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, um painel intitulado “Custo x Valor: um dilema na incorporação de novas tecnologias em saúde”. Os painelistas devem discutir a importância do valor que uma nova tecnologia em saúde agrega aos pacientes oncológicos, uma vez que essa análise acaba ficando em segundo plano durante a análise de incorporação de novas tecnologias, que acaba priorizando o investimento financeiro e o custo.