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Liderança Rosa

Dra. Maira Caleffi, presidente voluntária da Femama e do Imama, fala sobre Outubro Rosa e câncer de mama no Brasil ao Caderno Donna do Jornal Zero Hora (RS)

A figura de Maira Caleffi está intimamente ligada ao Outubro Rosa, movimento mundial de mobilização pela detecção precoce do câncer de mama e que tem na médica mastologista uma de suas principais porta-vozes

O Outubro Rosa é um movimento mundial de mobilização pela detecção precoce do câncer de mama. No mundo inteiro são realizadas ações para a conscientização de mulheres das mais variadas idades, culturas e etnias. Lei dos 60 dias Paciente com câncer, cobre seu direito é o tema da campanha do Outubro Rosa 2014. Em vigência há um ano e cinco meses, esta lei garante aos pacientes de câncer o direito de iniciarem o tratamento da doença pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em no máximo 60 dias após o diagnóstico. A campanha promovida pela Femama(Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama) tem em MairaCaleffi um de seus principais expoentes. Chefe do serviço de mastologia do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Maira confunde-se com a cor rosa desta mobilização que a cada ano amealha mais simpatizantes. Tomou para si, como uma espécie de missão de vida, o compromisso de batalhar para que cada vez menos mulheres busquem ajuda em estágios já avançados da doença. Quando a gente faz essas campanhas de prevenção de câncer de mama, estamos falando de prevenção de um mal maior. A campanha é pela detecção precoce. A doença já está ali, e o objetivo é detectá-la cedo diz. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) é de que surjam aproximadamente 57 mil novos casos no Brasil só neste ano cerca de 4% deles em mulheres com menos de 40 anos. Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro são os Estados com mais incidência entre grupos de cem mil mulheres. Apesar de todo o alarde promovido a cada outubro rosa pelo mundo, a falta de informação continua sendo o principal vilão da luta contra o câncer de mama. A maioria das mulheres chega ao tratamento em estágios avançados da doença.

– Ainda hoje, quando falamos em câncer de mama, a reação da maioria das mulheres é “não quero saber” – lamenta.

No hospital onde trabalha está sediado o Núcleo Mama, um dos maiores centros de mastologia da América Latina e onde são realizadas em média 1,3 mil consultas por mês e cerca de 80 cirurgias. Quando não está correndo para lá e para cá pelos corredores do andar, pode ser vista pelos aeroportos do país e do exterior militando a favor da causa. – A militância é meu hobby – declara. Cinquenta e seis anos, divorciada e mãe de dois filhos (Thomas, 26, e Nina, 22), Maira formou-se em Medicina na PUCRS em 1981 e fez residência em Ginecologia e Obstetrícia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. O restante do aperfeiçoamento foi buscar lá fora. É PhD pela Universidade de Londres, pós-doutora em genética e câncer pela Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, e um dos 15 membros mundiais do conselho da UICC (International Union for Cancer Control), de Genebra.

A Donna, Maira Caleffi traçou um panorama dessa mobilização em torno do Outubro Rosa, dos avanços que ainda precisam ser feitos, dos hábitos femininos que têm resultado em incidências precoces de câncer de mama e do papel das celebridades na conscientização.

Donna – Quando a senhora considera que foi percebida publicamente como líder do movimento rosa?

Maira Caleffi – Acredito que tenha sido no início dos anos 2000, quando comecei a assumir uma liderança mais pública e a me envolver com as políticas públicas. Em 2008, iluminamos a estátua do Cristo Redentor pela primeira vez. Em 2009, fui chamada para receber um prêmio na Casa Branca pela criação do colar de bolas (Maira criou um modelo de colar em que as bolas rosas representam a evolução de um tumor nas mamas). Na ocasião, tive a honra de iluminar de rosa a Casa Branca, ao lado da ex-primeira-dama Laura Bush.

Donna – Quais os avanços que percebe no Estado desde o seu engajamento?

Maira – Começamos a trabalhar como uma organização, que é uma associação de pessoas com interesse em comum, em 1993. Paralelamente ao meu trabalho como médica mastologista, desenvolvemos uma cultura de voluntariado, uma cultura de profissionais e pacientes discutindo as questões do câncer de mama. Com isso, conseguimos aumentar muito a visibilidade da doença e conscientizar bastante as gaúchas sobre a gravidade do câncer de mama. Nunca é o suficiente, mas, há 20 anos, se formos pensar, não se falava quase sobre isso. O câncer de mama era tida como “a doença do silêncio”.

Donna – O que foi feito de mais significativo neste período para esse silêncio passar a ganhar voz?

Maira – As mulheres começaram a perder o medo de assumir o diagnóstico. Começaram a procurar ajuda mais rápido. Com isso, houve toda uma mudança de comportamento.

Donna – Apesar da busca pelo tratamento ter aumentado, ainda é inegável afirmar que, apesar toda essa bela campanha de conscientização, o câncer de mama continua sendo um assunto velado entre muitas pacientes que recebem o diagnóstico. Há uma explicação?

Maira – Medo da mutilação e, claro, da morte. Se olharmos bem para trás, me refiro há mais de 20 anos, o enredo com final infeliz era sempre o mesmo: a paciente tirou a mama e morreu; a paciente tirou a mama, ficou careca e morreu; nossa, mas ela morreu tão jovem! Câncer de mama estava irremediavelmente sempre ligado à morte e mutilação.

Donna – Há recursos para não temer essa mutilação hoje em dia?

Maira – Com certeza. A evolução da medicina tem permitido que a gente consiga preservar mais as mamas, dependendo do tamanho do tumor. Mesmo que a paciente seja submetida a uma mastectomia (remoção completa da mama) a gente consegue reconstruir a mama. Esses avanços fizeram também com que a mulher tivesse menos medo da doença. Mas é preciso admitir, como você bem falou, que ainda hoje, quando falamos em câncer de mama, muitas reações são do tipo “eu não quero saber!”.

Donna – É o tipo de câncer que menos as mulheres querem saber?

Maira – Sem dúvida. E esse comportamento está intimamente ligado à feminilidade, à mulher, à mãe, à fêmea, a toda a sexualidade. Elas não ficam tão aterrorizadas com um diagnóstico de câncer de colo de útero, com um câncer de pulmão – que vem acometendo cada vez mais mulheres ultimamente – como ficam com o diagnóstico de câncer de mama. O câncer de pulmão mata rápido. É pior do que o de mama, na minha opinião. Mas o de mama tem toda essa característica feminina. Embora já existam casos em homens também.

Donna – Fale mais sobre isso.

Maira – Claro que a incidência é bem menor. Trata-se de um caso masculino para cada cem mulheres. Se a cada ano temos 57 mil novas mulheres que recebem o diagnóstico de câncer de mama, estamos falando de 570 homens com o mesmo diagnóstico anualmente.
Donna – Me parece que a população masculina em geral não está devidamente conscientizada de que, embora com menor incidência, também está sujeita a desenvolver essa doença.

Maira – Ela é pouco divulgada e ainda bastante desconhecida por parte dos homens, mas é preciso dizer que é a mesma doença. Afinal de contas, ainda que em bem menor quantidade, o homem também tem células mamárias.

Donna – Há muitos depoimentos de mulheres diagnosticadas com câncer de mama revelando que, tão duro quanto sofrer a mutilação da mama, é lidar com a perda de cabelo. A senhora vivencia bastante essa reação?

Maira – Demais. Na hora em que você dá o diagnóstico para a paciente, começa a passar um filme na cabeça dela – e este filme sempre traz o capítulo doloroso da perda de cabelo. É importante que o médico que lida com o câncer de mama tenha a sensibilidade de se colocar no lugar da paciente. O que ela experimenta naquele momento, ainda que não seja uma dor física, é uma dor sentimental imensurável.

Donna – Como funciona o apoio da família numa hora dessas?

Maira – A família fica em choque. Tem casos em que dá um dó ainda maior da paciente. Não bastasse receber o diagnóstico, ainda tem que segurar a onda da família, sobretudo da mãe. Elas se preocupam muito com a mãe, porque, claro, qualquer mãe faria de tudo para receber um diagnóstico desses no lugar de uma filha. Então, muitas vezes elas escondem essa doença dos pais até vencerem uma primeira etapa e se sentirem bem e fortes para falar sobre a doença.

Donna – Vocês fazem algum trabalho de apoio à paciente e à família?

Maira – Bastante, porque muitas querem esconder a doença até do marido. Nesses casos, incentivamos o contrário: que o marido seja o cuidador primário dela, aquela pessoa que a acompanha nos tratamentos e nas consultas.

Donna – A senhora fica abalada enquanto mulher ao dar um diagnóstico de câncer de mama?

Maira – Eu me emociono junto com a paciente. Os casos que mais me tocam são daquelas pacientes que estavam querendo engravidar pela primeira vez e, durante a investigação de esterilidade, o câncer se atravessa. A vida dá uma reviravolta. O desejo de ficar grávida é imediatamente adiado, ela ainda não tem filhos para garantir algum suporte emocional e que sirva de motivo ainda mais forte para lutar contra a doença. Essa situação para mim é a mais dramática. Além de falar na questão da mama, é preciso falar na preservação de óvulos, é preciso saber como o marido ficará frente a esta mulher modificada. É complicado. E trata-se de uma realidade que vem acontecendo com mais frequência.

Donna – Por alguma razão em especial?

Maira – As mulheres atrasaram em alguns anos a primeira gravidez e isso contribui para o aparecimento da doença. Ter filhos mais cedo é uma forma de preservar as mamas, pois elas ficam mais protegidas depois da amamentação. Isso não quer dizer que agora vamos dizer para nossas filhas ficarem grávidas com 15 anos. Mas, sem dúvida, atrasar a primeira gestação é um fator de risco que tem acometido as últimas gerações.

Donna – Quais são os outros fatores de risco?

Maira – O sobrepeso. As mulheres engordaram muito nas últimas décadas. Aquela mulher ativa que tinha filho e logo emagrecia e já tinha outro filho em seguida praticamente não existe mais. As mulheres eram mais magras e mais ativas. De cada 10 pacientes que vêm aqui, oito têm sobrepeso. Além do fato de ser mulher e de ter casos de câncer de mama na família, a obesidade é o grande fator de risco. Muito maior do que postergar a gravidez ou mesmo não ter filhos. Há dois Estados top em incidência de câncer de mama a cada cem mil mulheres: Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. No Rio de Janeiro, a principal justificativa é a obesidade. Quando falo em Rio, não estou falando daquela cidade de lindas garotas de Ipanema. Me refiro ao outro Rio de Janeiro. Lá, há incidência é alta – e a mortalidade é alta também. O acesso à saúde pública no Rio é vergonhoso. No Rio Grande do Sul, nós verificamos a obesidade e a questão da gordura na dieta. Não falo só de churrasco, não. Falo daquela dieta de clima frio, rica em gordura, da banha no feijão. Temos o costume de reunir a família em volta da mesa, da confraternização em torno da comida – e as pessoas se jogam. Esses hábitos ajudam a aumentar o índice de doenças crônicas não degenerativas, que inclui o câncer, mas também o diabetes e as doenças cardiovasculares.

Donna – Digamos que eu sou uma paciente saudável que vem até aqui para saber o que está a meu alcance fazer no dia a dia para diminuir o risco de desenvolver o câncer de mama. O que a senhora me recomendaria?

Maira – É importante dizer que prevenção de câncer de mama não existe. Existe, sim, a prevenção do câncer de colo de útero. Então temos que pensar numa estratégia para, como você mesma disse, diminuir o seu risco. Quando a gente faz essas campanhas de prevenção de câncer de mama, estamos falando de prevenção de um mal maior. A campanha é pela detecção precoce. A doença já está ali e o objetivo é detectá-la cedo. O que eu recomendaria: ser magra, não ser sedentária, não prorrogar tanto a gravidez para além dos 35 anos e ser mais blindada.

Donna – O que significa ser mais blindada?

Maira – Aprender a dizer não – algo que poucas mulheres conseguem. As mulheres têm que entender que elas não precisam ser queridas com todo mundo, algo que está embutido na nossa cabeça. Elas vão desagradar algumas pessoas e isso é do jogo da vida. A questão é que a gente nasceu para agradar e isso gera ansiedade no mundo em que hoje vivemos, porque é impossível de ser colocado em prática. Somos demandadas a ser fortes, líderes, chefes, mães, mulheres… É impossível. É preciso fazer escolhas. E aprender a dizer não. Muitas mulheres chegam aqui oprimidas, desvalorizadas, angustiadas, tristes, sem conseguir reagir com as demandas do mundo lá fora e ainda por cima se veem obrigadas a enfrentar uma doença como o câncer de mama. É muito duro. É preciso estar forte – e para estar forte é preciso aprender a se impor e a impor limites.

Donna – A senhora considera válida a manifestação de celebridades que admitem publicamente ter a doença como forma de contribuição para a conscientização das mulheres?

Maira – Muito. Quando algo assim acontece, a procura de mulheres em consultórios aumenta consideravelmente, e eu lamento que mais celebridades que estão passando ou já passaram por isso não se manifestem. A nossa realidade está mudando, mas as mulheres ainda sentem vergonha da doença. Eu morei muitos anos fora e lembro que as mulheres tinham orgulho de dizer que tinham tido câncer e vencido a doença. Tornavam-se então sobreviventes, como são chamadas. E sentiam o maior orgulho daquilo. As artistas brasileiras são muito resistentes a admitir o câncer.

Donna – A atriz Patrícia Pillar foi um símbolo dessa causa…

Maira – (Interrompendo) Não acho. Ela apareceu ao lado do então marido, Ciro Gomes, durante a campanha presidencial de 2002, mas depois não quis tocar no assunto. Nós, da Sociedade Brasileira de Mastologia, procuramos por ela mais de uma vez – e ela contribuiu em alguns momentos. Mas não considero que tenha sido um ícone. Ela nunca quis ficar marcada por isso.

Donna – O que a senhora achou da atitude da atriz Angelina Jolie de submeter-se a uma dupla mastectomia e expor publicamente esta decisão?

Maira – Achei muito interessante a discussão toda. Por outro lado, houve uma interpretação errada por parte de muitas mulheres que manifestaram a vontade de seguir o exemplo sem nem saber se fazem parte de um grupo de risco tão alto como o da atriz. É preciso deixar claro que, na família da Angelina Jolie, familiares diretos, como a mãe, morreram da doença. Ela fez o teste genético e comprovou que tinha o câncer mutado. O que poderia fazer para diminuir o risco? Tirar as mamas – e foi o que ela fez. Mas tudo sempre com estrito acompanhamento médico e aconselhamento genético.

Donna – A decisão da atriz resultou em demanda de mais mulheres pelo mesmo procedimento?

Maira – Total! Gerou uma banalização da mastectomia profilática. Há muitas mulheres sem aconselhamento genético fazendo o mesmo. Eu recebo propostas diárias para esta cirurgia de mulheres saudáveis e que sequer têm conhecimento da chance de desenvolver ou não a doença. Está uma onda forte de mastectomia profilática sem indicação médica. Está over.

Donna – Qual é a idade em que a mulher deve fazer a primeira mamografia?

Maira – A partir dos 40. Se a mulher tem caso de câncer de mama na família, o ideal é que faça o exame 10 anos antes da familiar de menor idade com a doença diagnosticada. Por exemplo: se a mãe dela descobriu o câncer com 39 anos, indica-se que ela comece a fazer mamografia aos 29. Trata-se de um protocolo internacional. Para mulheres saudáveis, que visitam regularmente o ginecologista, não tem sentido fazer a mamografia antes dos 40, exceto aquelas que colocaram prótese de silicone.

Donna – Qual é o procedimento a ser seguido por mulheres com prótese?

Maira – Mulheres com prótese de silicone tornam-se imediatamente pacientes de mastologistas. Por quê? Torna-se mais difícil apalpar a mama, e o médico precisa saber diferenciar durante exame clínico o que é prótese e o que é nódulo. Os exames são diferentes, e as biópsias são diferentes. Há um corpo estranho ali, portanto é a um mastologista que ela precisa ir para o acompanhamento das mamas, e não a um ginecologista.

Entrevista publicada nos Jornais Zero Hora (RS) e Diário Catarinense (SC) em 19/10/2014
 

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