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Cientistas brasileiros mostram como avançar no diagnóstico e cuidado ao paciente com câncer de mama e ovário hereditário

Seis cientistas brasileiros que são referência em oncologia, ginecologia, genética e genômica aplicada apresentam as diretrizes – definidas a partir de reuniões de consenso e revisão da literatura médica – para o avanço do diagnóstico e manejo dos pacientes que apresentam mutações genéticas associadas com a síndrome de câncer de mama e ovário hereditário (HBOC). As recomendações foram publicadas no Journal of Global Oncology (JGO), da revista científica da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO). O estudo está disponível aqui.

Os autores abordam as barreiras que limitam o acesso à avaliação de risco de câncer hereditário e propõem abordagens específicas e realistas para o cenário brasileiro, visando  melhorar as estratégias de rastreamento por exames de imagem, cirurgias redutoras de risco e de tratamento sistêmico deste grupo de pacientes, além de promover maior conhecimento e conscientização sobre o tema.

“Apresentamos as evidências científicas que podem orientar os tomadores de decisão  nos sistemas de saúde pública e suplementar a implantar as ações regulatórias que aumentem o acesso à tecnologia de teste genético e de estratégias redutoras de risco, propiciando assim melhor qualidade de vida para os pacientes com perfil de câncer hereditário em todo o país”, destaca a médica oncogeneticista e autora principal da pesquisa, Maria Isabel Achatz, coordenadora do Departamento de Oncogenética do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo

Os demais autores são Maira Caleffi, mastologista, chefe do Serviço de Mastologia e coordenadora do Núcleo de Mama do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre; Rodrigo Guindalini, oncogeneticista do Rede D´or São Luiz, em Salvador e pesquisador do Instituto do Câncer de São Paulo (ICESP); Renato Moretti Marques, cirurgião ginecológico do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein; Angélica Nogueira-Rodrigues, oncologista clínica, presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Patrícia Ashton-Prolla, médica geneticista do Laboratório de Medicina Genômica e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Pós-Graduação do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Síndrome de câncer de mama e ovário hereditário (HBOC)

Cerca de 1 entre 10 casos de câncer de mama e 1 entre 4 casos de câncer de ovário são associados com alterações genéticas que foram herdadas. Em 2020, de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer de mama deve ser diagnosticado em 66,2 mil mulheres e o câncer de ovário deve registrar 6,6 mil novos casos no país.

Ao identificar as pacientes que apresentam alterações genéticas germinativas (herdadas ao nascimento) é importante determinar se o gene mutado apresenta variantes de baixa, moderada ou alta penetrância. “Quanto mais alta é a penetrância da variante do gene alterado, maior é a predisposição do paciente vir a desenvolver o câncer”, destaca Maria Isabel Achatz. Na síndrome de câncer de câncer de mama e ovário hereditário (HBOC), as variantes germinativas mais prevalentes são nos genes BRCA1 e BRCA2. Ambos são genes supressores de tumor, ou seja, quando não mutados eles têm a função de impedir que danos ao DNA possam levar ao desenvolvimento de câncer.

Importante ir além dos genes BRCA 1 e 2

As pacientes portadoras de mutação nos genes BRCA1 e BRCA2 têm, respectivamente, risco de 85% e 45% de desenvolver câncer de mama ao longo da vida. Para essas mesmas alterações hereditárias, o risco de desenvolver câncer de ovário em algum momento é de 39% e 11%. No entanto, apesar destas serem as alterações genéticas mais comuns em pacientes enquadradas na síndrome de câncer de mama e ovário hereditário, é importante, afirmam os pesquisadores, oferecer o rastreamento que contemple um maior painel de genes.

Os autores observam que o risco é aumentado também quando há mutações em outros genes de alta penetrância (TP53, PTEN, STK11 CDH1 e PALB2) e de moderada penetrância (CHEK2, ATM, NF1, RAD51C e BRIP1). “O gerenciamento de risco de câncer foi implementado no Brasil em portadores de mutação em BRCA1 e BRCA2. No entanto, é valido ampliar o painel de genes, contemplando principalmente as alterações em TP53”, orienta Achatz.

Ao se testar apenas os genes BRCA pode-se perder aproximadamente metade das variantes patogênicas envolvidas no risco de HBOC. “Oferecer o sequenciamento de nova geração (NGS) permite testar genes com utilidade clínica a um custo acessível”, observa a oncogeneticista.

Vamos falar sobre teste para TP53?

No Brasil, uma significativa porcentagem de casos de câncer de mama tem ligação com a síndrome de Li-Fraumeni (LFS). O principal gatilho é a chamada variante brasileira p.R337, que teve origem em um tropeiro que, em suas viagens pelo Sul e Sudeste do país, teve relações sexuais com diferentes parceiras e deixou a mutação como herança para parte de seus filhos. A síndrome de Li-Fraumeni  tem um espectro amplo de conexão com o câncer que inclui câncer de mama pós-menopausa, sarcomas, tumores cerebrais, carcinoma adrenocortical, dentre outros.

O câncer de mama é a neoplasia maligna mais comum na síndrome de Li-Fraumeni. Os pesquisadores destacam que em uma coorte de 815 mulheres do Sul do Brasil que desenvolveram a doença antes dos 45 anos, o resultado foi uma alta prevalência de p.R337H (12,1%). “Esses resultados sugerem que a herança de p.R337H pode contribuir para um número significativo de casos de câncer no Brasil e é importante que essas mulheres tenham acesso ao teste e aconselhamento genético”, ressalta Patrícia Ashton-Prolla.

Atualmente no Brasil, aponta Rodrigo Guindalini, o teste genético para a mutação TP53 é para famílias que atendem a certos critérios, que podem incluir todos os casos de câncer de mama abaixo de 35 anos, independentemente do histórico familiar. Por sua vez, a sugestão é que seja avaliada a possibilidade de todas as mulheres com câncer de mama na pré-menopausa no Brasil sejam testadas para p.R337H.

Os pesquisadores ponderam que dadas as suspeitas de alta prevalência populacional da mutação fundadora no Brasil e o problema de saúde pública que ela possa constituir, é necessário um melhor conhecimento de sua prevalência em todo o país, bem como o gerenciamento eficaz de estratégias de baixo custo dedicadas à população brasileira.

No sistema privado, há cobertura para teste molecular em indivíduos que cumprem os critérios estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde (ANS). As diretrizes incluem intervenções de redução de risco para portadores de uma variante da linha germinativa patogênica (por exemplo, cirurgias de redução de risco, reconstrução mamária e acesso à ressonância magnética mamária (RM) em pacientes que não optam pela cirurgia profilática (redutora de risco). Por sua vez, não está incluso na lista de cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS).

O que fazer quando há mutações em BRCA1 e BRCA2?

Na presença das variantes da linha germinativa BRCA1 e BRCA2, os autores destacam que as opções atuais para redução de risco e detecção precoce incluem cirurgias de vigilância e redução de risco, rastreamento personalizado por exames de imagem e quimioprevenção.

Exames de imagem

Recomenda-se uma  ressonância magnética anual da mama em conjunto com a triagem anual de mamografia em portadoras de BRCA1 e BRCA2 a partir dos 30 anos de idade. Embora no Brasil esses recursos não sejam suficientemente bem distribuídos, a ressonância magnética da mama é totalmente coberta para pacientes portadores de uma variante patogênica do BRCA. As perspectivas futuras nesse campo incluem a adoção de protocolos de ressonância magnética abreviados e o uso de menos contraste para reduzir custos. Os autores reforçam que a triagem de câncer de ovário não é recomendada. No entanto, em pacientes que recusam salpingo-ooforectomia (cirurgia de retirada dos ovários), o ultrassom transvaginal e o CA-125 sérico podem ser considerados, a critério do médico.

Cirurgia preventiva

A mastectomia bilateral (cirurgia de retirada das duas mamas) está associada a uma redução de risco de até 90% de câncer de mama. Nos portadores de mutação em BRCA1 e BRCA2, a mastectomia poupadora de mamilos apresenta uma baixa taxa de complicações. Estratégias de vigilância após mastectomia com redução de risco não estão bem estabelecidas e devem ser consideradas caso a caso. As evidências atuais apontam que a mastectomia bilateral para redução de risco em portadores de mutação teve um impacto na mortalidade em portadores de BRCA1, embora o impacto em portadores de BRCA2 fosse menos evidente.

Para as pacientes que já tiveram câncer de mama, o risco cumulativo doença contralateral (na outra mama), 20 anos após o primeiro diagnóstico, é de 40% para portadores de BRCA1 e 26% para portadores de BRCA2. As evidências atuais sugerem que a mastectomia contralateral para redução de risco é eficaz para portadores de BRCA1, reduzindo a mortalidade.

A salpingo-ooforectomia bilateral (cirurgia de retirada dos dois ovários) confere uma redução de risco de 72% a 88% no câncer de ovário e no câncer das trompas de falópio. Está associado a uma redução na mortalidade específica por câncer de ovário em portadoras de BRCA. “Recomendamos essa cirurgia para portadoras de BRCA que completaram a gravidez, naquelas entre 35 e 40 anos portadoras de BRCA1 e aos 40-45 anos em portadores de BRCA2”, detalha o cirurgião ginecológico Renato Marques.

Quimioprevenção

A revisão apresentada pelos seis pesquisadores brasileiros mostra que estudos robustos de prevenção primária com tamoxifeno, com dose 20 mg uma vez por dia durante 5 anos, demonstraram que o risco de câncer de mama pode ser reduzido em 40% a 50% em mulheres com alto risco, embora não necessariamente em portadores de variantes patogênicas.

“Dados limitados estão disponíveis sobre o benefício do tamoxifeno em portadores de BRCA, mas pode ser considerado em pacientes que não desejam se submeter a cirurgias de redução de risco. Não há dados sobre o benefício de raloxifeno ou inibidores da aromatase em portadores de BRCA”, contextualiza a mastologista Maira Caleffi.

Outra estratégia de quimioprevenção, comenta a oncologista clínica Angélica Nogueira-Rodrigues,  é por meio do inibidor da polADP-ribose polimerase (PARP). Ministrada oralmente, é uma terapia que demonstra melhora na sobrevida livre de progressão quando utilizada como terapia de manutenção em pacientes com tumores recorrentes e sensíveis à platina e associados a mutação em BRCA.

A Food and Drug Administration, agência regulatória dos Estados Unidos, aprovou dois inibidores da PARP (olaparib77 e talazoparib78) para câncer de mama metastático associado à BRCA da linha germinativa. No Brasil, o olaparib foi aprovado nesse cenário pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária em 2018.

Orientações quando o assunto é a variante TP53

Segundo os autores, todos os portadores de uma variante patogênica do gene TP53 devem receber vigilância intensiva. No Brasil, explicam, devido à variante fundadora presente em uma parte significativa da população, o gerenciamento é uma situação de saúde pública que precisa ser discutida.

Nesses casos, a ressonância magnética (RM) da mama deve ser oferecida anualmente a partir dos 20 anos e a mamografia anualmente após os 30 anos. A mastectomia bilateral para redução de risco e a mastectomia contralateral para redução de risco devem ser sugeridas. A RM de corpo inteiro e a RM do cérebro devem ser realizadas anualmente desde o nascimento nos portadores, devido ao alto risco de sarcomas, de tumores do sistema nervoso central (SNC), adrenocortical e outros tumores.

Custo-efetividade do teste genético e cirurgia preventiva

A revisão feita pelos cientistas brasileiros ressalta a evidência de que o teste BRCA é econômico tanto para câncer de mama quanto para câncer de ovário. Está associado a risco reduzido e melhora da sobrevida em mulheres portadoras, com benefícios quando o teste é estendido aos membros da família (teste em cascata). O trabalho mostra também que a vigilância antes que o paciente apresente sintomas do câncer é rentável para pacientes com variantes patogênicas da linha germinativa no TP53. A cirurgia de redução de risco e a triagem intensiva de mama também foram rentáveis em modelos de gerenciamento de risco de portadores de BRCA.

Quais são as barreiras a serem superadas?

Apesar das evidências dos benefícios do aconselhamento genético, testes e gerenciamento adequado de riscos, o acesso é limitado no Brasil e na maioria dos países da América Latina. Para lidar com essas limitações, são necessárias estratégias relacionadas à conscientização pública, educação, serviços integrados, implementação e monitoramento. O governo, as sociedades médicas, as organizações de pacientes, os centros acadêmicos e o setor privado devem criar uma comissão multissetorial para desenvolver e promover a incorporação do gerenciamento de risco do câncer hereditário e da gestão dos sistemas de saúde pública e privada. De acordo com os autores, dentre as recomendações estão:

– Incluir testes genéticos, aconselhamento e gerenciamento de longo prazo, acessíveis aos pacientes nos sistemas de saúde públicos e privados.

– As diretrizes que garantem a cobertura de serviços genéticos nos cuidados de saúde privados devem ser atualizadas anualmente e devem incluir a cobertura de testes genéticos para indivíduos não afetados pelo câncer quando parentes de primeiro e segundo grau cumprem os critérios.

– Desenvolvimento de um programa de treinamento em três níveis para profissionais de saúde. Nível 1: Educação básica em genética e educação médica continuada devem ser fornecidas a todos os profissionais de saúde para permitir o reconhecimento e encaminhamento de pacientes em risco; Nível 2: Um currículo mínimo sobre câncer hereditário deve ser incluído nos programas de treinamento em especialidades relacionadas ao tratamento do câncer, e a educação médica continuada deve ser necessária; Nível 3: Os programas de treinamento especializado devem ser desenvolvidos e ampliados para os profissionais de saúde que desejam realizar o gerenciamento de risco de câncer hereditário.

– O aconselhamento genético e a avaliação de riscos devem ser oferecidos em um ambiente multidisciplinar, envolvendo vários profissionais de saúde, para garantir o manejo mais adequado dos pacientes e de suas famílias.

– Uma rede brasileira de centros de referência deve ser ampliada e a inserção de gerenciamento de risco de câncer hereditário e testes genéticos deve ser defendida em sistemas de saúde públicos e privados.

– A educação profissional continuada e a recertificação periódica devem ser implementadas para garantir serviços clínicos e laboratoriais. As sociedades profissionais devem supervisionar esses esforços.

– Governo, sociedades médicas, profissionais de saúde e organizações de pacientes devem apoiar programas de educação para promover a conscientização pública sobre a importância de entender os fatores de risco genéticos pessoais e familiares e sua influência no tratamento do câncer.

– Os políticos devem ser incentivados a aprovar leis que protegem os indivíduos contra a discriminação genética por parte de empregadores e companhias de seguros.

– Relatórios sistemáticos devem ser incentivados. Os resultados dos testes genéticos clínicos e de pesquisa devem ser disponibilizados em bancos de dados públicos sobre variações genômicas humanas.

Fonte: LabNetwork

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