Ninguém deve ser deixado para trás
Conforme afirma o célebre Artigo 196 da Constituição Federal de 1988: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
O Artigo presume um sistema pautado em um modelo que ainda não é utilizado em todo o mundo: a cobertura universal de saúde, que pressupõe que todos os indivíduos e comunidades recebam os serviços de saúde de que precisam, sem que isso comprometa sua situação financeira. Isto inclui todo o espectro de serviços de saúde essenciais e de qualidade.
No Brasil, felizmente adotamos este modelo: o Sistema Único de Saúde (SUS) é público e para todos, sem discriminações. Por um lado, é reconfortante saber que, no país, todas as pessoas – não importa quem sejam, onde moram ou quanto dinheiro têm – podem, em tese, usufruir de um sistema que proporciona acesso universal a este direito fundamental. Por outro, é desesperador ver que, por subfinanciamento, deficiência em planejamento e gestão, o SUS oferece uma assistência insuficiente, especialmente aos pacientes com câncer.
A dificuldade de conseguir um diagnóstico ágil, de cumprir prazos previstos em lei para o início de tratamentos, ou até mesmo de obter acesso a medicações essenciais que deveriam ser distribuídas regularmente, evidencia que o paciente com câncer não se encontra entre as prioridades para o nosso sistema público de saúde.
A cada ano, 1 bilhão de pessoas em todo o mundo não podem pagar um médico, remédios ou não têm acesso a outros cuidados essenciais sem se colocarem em situação econômica de risco. Por isso, a cobertura universal em saúde se faz necessária: ela salva vidas. A ONU vem trabalhando nesse assunto e identificou a Cobertura de Saúde Universal como uma prioridade máxima para o desenvolvimento sustentável.
O SUS é um dos maiores e mais complexos sistemas de saúde pública de todo o mundo – incontestavelmente, uma conquista inestimável da população. Porém, ele precisa ter seus recursos mais bem administrados, com melhores estratégias, que levem em conta de maneira séria e comprometida também as doenças crônicas.
Não somente no Brasil, mas em outros países do mundo que adotam este modelo de sistema de saúde, como a Inglaterra, a mortalidade por câncer tem aumentado significantemente. Dessa forma, colocar a assistência à doença na dianteira da cobertura universal de saúde é uma urgente necessidade.
Nesta semana aceitei o importante convite para discutir o tema no painel “Além das manchetes: o que será necessário para enfrentar o crescente impacto do câncer?”, que será realizado em Genebra, durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, organizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Representar e dar voz aos pacientes com câncer é minha missão, honrosa e desafiadora.
Somente na última década, a incidência do câncer subiu 20% em todo o mundo. O impacto humano da doença é imenso – por ano, cerca de 230 mil mortes acontecem em decorrência de neoplasias só no Brasil. Junto a isso, temos o impacto econômico: segundo estimativa da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), o país sofre um prejuízo de US$ 4,6 bilhões anuais por conta disso, o equivalente a R$ 15 bilhões. Esses números nos mostram que o assunto câncer ultrapassa os Ministérios da Saúde e de Justiça (direito constitucional), ele é assunto do Ministério da Economia e Desenvolvimento também.
A cobertura universal também precisa prever tratamento individual e personalizado para essas pessoas. O paciente deve cada vez mais ser visto como um ser humano único, inserido em um contexto singular, que faz com que sua doença seja igualmente singular. Mas para garantir cuidados individualizados, é necessário que o sistema esteja amparado em recursos assegurados e bem administrados e, assim, possa oferecer opções adequadas para que seja feito o tratamento mais eficaz.
Os países que visam adotar esse sistema devem se ancorar em experiências que já acontecem em outros lugares: o próprio SUS, o National Health Service da Inglaterra, e também sistemas de países como Canadá e Suécia. A cobertura universal de saúde é essencial, porém aprender com os desafios desses modelos é o primeiro passo para propor soluções mais estruturadas. O que sabemos que funciona e o que precisa ser repensado?
O câncer precisa estar na vanguarda da cobertura universal em saúde. Não somente o Brasil, mas o mundo não está preparado para os impactos decorrentes da doença. Lidar com o câncer, é lidar com vidas que dependem de cuidados integrais e efetivos. A essas vidas, precisamos não somente garantir assistência, mas verdadeiramente salvá-las. Ninguém deve ser deixado para trás.
*Maira Caleffi, médica mastologista e presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA)
VEJA A REPERCUSSÃO NA MÍDIA:
– Jornal Roraima Hoje, 20/05/2019
– Blog Jornal da Mulher, 20/05/2019
– O Paraná (online), 21/05/2019
– O Paraná (impresso), 21/05/2019
– Campo Grande News, 21/05/2019
– SBT RS, 21/05/2019
– Revista Fator Brasil, 22/05/2019
– Diário de Aparecida, 22/05/2019
– Jornal de Barretos (online), 22/05/2019
– Jornal de Barretos (impresso), 22/05/2019
– Jornal da Jundiaí (impresso), 23/05/2019
– Jornal de Jundiaí (online), 23/05/2019
– Jornal da Cidade (online), 29/05/2019
– Jornal da Cidade (impresso), 29/05/2019
Quando o controle do câncer será uma real prioridade?
Somente em 2018, o câncer foi responsável por 9,6 milhões de mortes em todo o mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma a cada seis mortes tem relação com a doença, o que torna o câncer a segunda principal causa de óbito no planeta.
Os números causam extrema preocupação. Em diversos países a taxa de mortalidade vem aumentando, mesmo que estejamos presenciando o surgimento de tratamentos e técnicas que visam diminuir o impacto do câncer e garantir mais tempo e qualidade de vida aos pacientes.
Frente a esse panorama, no âmbito internacional, a discussão a respeito da Cobertura Universal de Saúde tem ganhado força na última década. Este modelo pressupõe um sistema que oferece todos os tipos de serviço de saúde, desde os mais básicos aos mais complexos, para toda a população, gratuitamente e sem discriminação. No Brasil, temos bastante familiaridade com isso: o Sistema Único de Saúde (SUS) é um exemplo desse tipo de sistema, visto como referência internacional em saúde. Por meio dele, ninguém precisa se colocar em risco financeiro para obter um serviço de qualidade – ou, pelo menos em tese, não precisaria.
A Cobertura Universal de Saúde foi considerada prioridade para o desenvolvimento sustentável pela Organização das Nações Unidas (ONU) e tem sido pauta das principais discussões entre órgãos e representantes de saúde de diversos países. Foi, inclusive, debatida no painel “Além das manchetes: o que será necessário para enfrentar o crescente impacto do câncer”, realizado em Genebra, durante a 72ª Assembleia Mundial da Saúde, promovida pela OMS, do qual aceitei honrosamente participar e representar a voz dos pacientes.
O crescente interesse de governos ao redor do mundo por oferecer a saúde, um direito básico e fundamental, gratuitamente a todos demonstra, certamente, um cenário positivo. Porém, por que mesmo em países que já adotam esse sistema, o câncer continua tendo uma alta taxa de mortalidade? É necessário olhar para os modelos que já existem e aprender com suas trajetórias.
É notório que a doença ainda não é tratada como prioridade no Brasil, por exemplo – os pacientes atendidos pelo SUS acabam enfrentando desafios em relação ao câncer muito em função da falta de um bom planejamento, gestão e recursos bem administrados. A Cobertura Universal de Saúde é uma estratégia em tese eficaz para trazer respostas ao controle do câncer. No entanto, as dificuldades que precisam ser enfrentadas para mudar as taxas de mortalidade crescentes para a doença estão relacionadas à falta de acesso da população ao que essa cobertura deveria oferecer. De maneira geral, a falta de programas estruturados de prevenção e rastreio para a maioria dos cânceres, as longas esperas para confirmação do diagnóstico oncológico e para o início do tratamento, opções restritas de tratamento oferecidas aos pacientes e a falta de acesso a abordagens multidisciplinares, equipes de profissionais de diversas especialidades que atuam na melhora dos prognósticos e qualidade de vida dos pacientes, são fatores importantes para entender os motivos pelos quais ainda não conseguimos virar esse jogo, mesmo já usufruindo há 30 anos da cobertura universal em nosso país.
Há vidas lutando contra o câncer neste momento. Quase 10 milhões delas foram perdidas mundialmente, só no último ano, por conta da doença. Será que isto não é grave o suficiente para repensar a assistência à doença e colocá-la no topo da lista de prioridades, contribuindo até mesmo com a criação de um modelo eficiente adaptado a cada realidade para reduzir seu impacto no mundo?
VEJA A REPERCUSSÃO NA MÍDIA: