A narrativa persistente de que a pandemia do coronavírus é o único problema de saúde que a população brasileira enfrenta ignora as centenas de milhares de pacientes com câncer que precisam de atendimento. Em meio à crise mundial de saúde, a vida das pessoas não é prioridade para nossos governantes. Segundo entidades de apoio a pacientes com câncer, o Conselho Nacional de Saúde e a Defensoria Pública da União, existe uma falta de respostas às demandas urgentes para agilizar o diagnóstico e tratamento de pacientes oncológicos. Esse pedido de socorro das entidades é muito anterior a pandemia e só tem se agravado pela falta de liderança na área da oncologia do Ministério da Saúde e Governo Federal.
Segundo a FEMAMA (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama) e suas 70 organizações associadas, as demissões e prolongada falta de um Ministro da Saúde que conheça a grave situação atual da oncologia têm prejudicado as ações e o planejamento dos centros de atendimento e de seus profissionais de saúde. Faltam orientações claras, a criação de hospitais livres de coronavírus, manutenção de exames, consultas e sequência do tratamento do paciente com câncer.
“As duas trocas de Ministro da Saúde durante uma pandemia como essa são lamentáveis e muito prejudiciais para a continuidade do já escasso diálogo com representantes de grupos de pacientes e sociedades de profissionais da saúde. A cada mudança, é como se o ministério fosse reinicializado, trazendo inconstâncias a diversos outros cargos e ações já em andamento. Começa tudo do zero. Essa situação deixa desorientada toda logística para as demais áreas da saúde, como é o caso da oncologia. Os pacientes não podem esperar o jogo político ficar mais ameno para cuidar de si e tratar do câncer. Além das longas filas de espera por todos os tipos de atendimento e da falta de acesso à tecnologia necessária, a pandemia expôs o que os pacientes há muito denunciavam: carência de investimento no SUS e no atendimento de oncologia”, afirma a Dra. Maira Caleffi, presidente voluntária da FEMAMA e chefe do serviço de mastologia do Hospital Moinhos de Vento.
Esse alerta das entidades do setor tem como objetivo dar voz a todos os pacientes que estão em casa, seja por falta de informação, orientação ou por medo de contrair a COVID-19. Hoje, temos três tipos de pacientes enfrentando realidades diversas: os invisíveis, que percebem alterações no corpo e buscam atendimento na rede pública, mas não conseguem agendar consulta médica ou exames de diagnóstico; os que estão em tratamento e que tiveram cancelamentos em atendimentos, sem previsão de retorno e os que estão com medo em virtude da falta de informação e optam por ficar em casa, sem procurar a rede de saúde.
“Nós da FEMAMA, como entidade do terceiro setor, temos um papel fundamental na busca por melhorias no sistema de saúde, impactando positivamente toda a jornada do paciente com câncer, visando facilitar o acesso ao diagnóstico ágil e tratamentos adequados nos sistemas público e privado de saúde. Em vista deste cenário e sem referências no Governo Federal, nos questionamos quem está olhando para o câncer no Brasil paralelamente ao coronavírus. Precisamos de respostas efetivas do poder público. Na história de 14 anos de atuação na defesa dos pacientes, a FEMAMA nunca presenciou um retrocesso tão grande como esse. Necessitamos garantir os avanços conquistados nos últimos anos, resultado do diálogo contínuo entre as diferentes esferas do governo, sociedade civil e comunidade médica” destaca a presidente da FEMAMA.
Descaso, falta de articulação e de respostas efetivas
É importante destacar o status de duas das agendas prioritárias da FEMAMA junto ao Ministério da Saúde nos últimos meses:
- Lei dos 30 dias, que estabelece que exames para a confirmação do diagnóstico de câncer sejam realizados no SUS em até 30 dias. A lei teve seu prazo inicial de regulamentação, 28/04/2020, prejudicado por conta da pandemia. No entanto, mesmo antes do coronavírus, o Tribunal de Contas da União apontou em auditoria que pacientes chegavam a esperar até 200 dias para receber seu diagnóstico.
- Lei de Notificação Compulsória do Câncer, que exige que serviços de saúde, públicos e privados, notifiquem regularmente as autoridades sobre todos os casos de câncer desde o diagnóstico. O Ministério, que deixou a lei sem avanço de regulamentação por um ano, alegou à FEMAMA que não seria capaz de cumprir o prazo de resposta do recurso devido ao cenário atual. Aprovada em junho de 2018, a lei nunca foi regulamentada. Saber o número de casos de câncer nunca foi tão importante como agora. Hoje, não se sabe ao certo onde os pacientes estão, se têm feito o tratamento e quais dificuldades enfrentam durante a pandemia.
No início de março desse ano, ao questionar o Ministério da Saúde sobre o status das regulamentações e estimativa de novos prazos, a FEMAMA teve sua solicitação direcionada a diversos setores e recebeu respostas inconclusivas para o questionamento inicial. A entidade reforça seu compromisso com a população brasileira ao pressionar o governo para dar respostas efetivas sobre a saúde no Brasil hoje e aguarda medidas coerentes para garantir os avanços conquistados nos últimos anos e o atendimento garantido em lei aos 75% dos brasileiros que utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS), demandando um diálogo construtivo e resolutivo.
“Outras leis já regulamentadas, como a Lei dos 60 Dias, não são cumpridas, ficam sem respaldo do Ministério. Para todos os questionamentos feitos, nos é respondido para aguardar. Obviamente, entendemos a gravidade da COVID-19, mas pacientes com câncer não podem esperar para ter diagnóstico e tratamento adequado”, frisa Dra. Maira Caleffi. A especialista também destaca o abandono por parte de outras áreas do governo. “Não vemos nenhuma atitude concreta ou articulação interministerial em prol de alternativas para facilitar o acesso à saúde para as pessoas com câncer em tempos de pandemia. O sentimento que fica é de total descaso por parte do governo”, complementa.
VEJA A REPERCUSSÃO NA MÍDIA:
Jornal Folha Nodoeste, SP, 29/06
Portal Hospitais Brasil, 29/06
Direito Médico Saúde, PE, 30/06