Por Maira Caleffi e Maria Clara Vilasboas
Em 26 de julho de 2021, o Presidente da República encaminhou ao Presidente do Senado Federal a Mensagem de n.º 360, pela qual informou a sua decisão de vetar integralmente o Projeto de Lei n.º 6330/2019, que pretendia alterar a Lei dos Planos de Saúde (Lei n.º 9.656/1998), a fim de ampliar o acesso a tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral pelos usuários de planos de assistência à saúde. Com o Projeto, as operadoras ficariam obrigadas a cobrir esses tratamentos, em até 48 horas após prescrição médica, independentemente de previsão no rol da ANS, bastando que o tratamento esteja devidamente registrado junto à ANVISA.
O Presidente da República justificou o veto com base no argumento de que a Proposta em questão seria “contrária ao interesse público”, uma vez que, ao tornar obrigatórios os tratamentos antineoplásicos, de forma automática, sem a prévia avaliação da ANS, estar-se-ia “colocando em risco a sustentabilidade do mercado”. Isso porque, conforme sustentado na mensagem de veto, os planos teriam que assumir custos imprevisíveis com tecnologias em saúde não contempladas no rol da ANS.
Contudo, na condição de Federação de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da MAMA, a FEMAMA tanto não concorda com os fundamentos invocados quanto reforça a necessidade de que os planos de saúde assegurem a seus usuários tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral em conformidade com prescrição médica, mesmo que o tratamento ainda não tenha sido formalmente incorporado ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde.
Esse posicionamento se dá por inúmeras razões. Em primeiro lugar, ressalte-se que as operadoras, via de regra, são muito bem estruturadas e dispõem de corpo funcional devidamente capacitado. Esse contexto afasta as razões de veto suscitadas na Mensagem n.º 360, pois revela que as operadoras possuem estrutura e aptidão técnica para analisar os medicamentos antineoplásicos registrados na ANVISA, bem como os seus preços e indicadores de prescrição médica — circunstância que torna possível dimensionar o custo com essa nova cobertura obrigatória e eventualmente adequar os serviços de saúde suplementar. Portanto, a imprevisibilidade aventada pelo Presidente da República não se afigura fundamento válido para efeito de justificar a oposição de veto ao Projeto de Lei n.º 6330/2019.
Além disso, cabe reforçar a importância desse Projeto no que diz respeito ao combate efetivo ao câncer, sobretudo considerando-se três aspectos fundamentais. O primeiro deles concerne ao frenesi das transformações tecnológicas relacionadas ao tratamento de neoplasias malignas, de sorte que constantemente surgem novas técnicas e medicamentos mais adequados e eficazes para cada tipo de câncer. Em contrapartida, tem-se o segundo aspecto, qual seja, a burocracia que reveste o processo de incorporação de novas tecnologias no rol da ANS, que costuma levar anos. Por fim,
impende-se destacar que muitos tipos de neoplasias são bastante agressivos, de modo que um tratamento rápido e adequado é o fator que determina a sobrevivência, ou não, de um paciente vítima de câncer.
Todos esses aspectos denotam a importância do PL n.º 6330/2019, que pretende impor às operadoras de plano de saúde a obrigação de oferecer cobertura a seus usuários para tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, independentemente de existir ou não previsão no Rol de Procedimentos e Eventos da ANS. Rememore-se que as neoplasias malignas não comportam tratamentos inadequados ou extemporâneos, sendo fundamental tanto a prescrição do medicamento correto quanto a sua utilização em momento oportuno, o que revela o desacerto da decisão do Presidente da República a respeito do veto integral oposto ao PL n.º 6330/2019.
Por fim, não se pode negligenciar a dimensão democrática. O interesse público manifesta-se por meio da lei, sendo o parlamento o espaço por excelência da representação da vontade e dos anseios populares. O Projeto em questão foi aprovado por quórum expressivo em ambas as Casas do Congresso Nacional. No Senado (Casa Iniciadora), o Projeto foi aprovado à unanimidade, com 74 votos favoráveis. Na Câmara (Casa Revisora), o cenário foi semelhante, foram 398 votos pela aprovação do Projeto. A título de exemplo, destaque-se que esse quórum é bem superior inclusive ao quórum qualificado necessário à aprovação de Emendas Constitucionais. Tudo isso revela que, ao contrário do que sustentou o Presidente da República, esse Projeto caminha sim em prol do interesse público, tratando-se de medida que densifica o direito fundamental à saúde para as pessoas vítimas de câncer.
Diante do exposto, afigura-se evidente e incontroversa a importância de impor aos planos de saúde a obrigação de oferecer cobertura para tratamentos antineoplásicos domiciliares de uso oral, independentemente de haver previsão no rol da ANS, de sorte que agora cabe ao Congresso Nacional investir-se no poder que lhe conferiu o povo para efeito de, em nome do interesse público, derrubar o veto oposto ao Projeto de Lei n.º 6330/2019 — algo que pode ocorrer ainda na sessão desta sexta-feira (10/12/2021), data prevista para a deliberação da matéria.