O diagnóstico precoce do câncer é o primeiro passo para o sucesso no tratamento da doença. Infelizmente, isso está longe de ser realidade no BrasIl, onde cerca de 56% dos diagnósticos acontecem em estágios avançados da enfermidade para os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), que atende 78% da população brasileira.
Os dados são do Tribunal de Contas da União. No caso do câncer de pulmão, a situação é ainda mais crítica:86%dos pacientes da rede pública foram diagnosticados nos estágios 3 e 4 da doença, de acordo com o Radar do Câncer de Pulmão realizado pelo Oncoguia.
“Para dar uma ideia da gravidade da situação, na Suécia e na Noruega menos de 9% dos diagnósticos de câncer acontecem em estágios avançados. No Reino Unido, que tem um sistema de atendimento universal que inspirou o SUS, esse índice é de 13%”, afirma Tiago Matos, diretor de advocacy no Instituto Oncoguia.
A importância do diagnóstico precoce, seus desafios e prioridades foram tema de debate no 10º Fórum Nacional de Políticas de Saúde em Oncologia On-line. “As evidências mostram que a redução da mortalidade está relacionada à detecção de tumores malignos em estágio pré clínico, quando eles são menores que 1 centímetro. No caso do câncer de mama, a chance de cura quando a doença é diagnosticada em estágio inicial é de 95%”, afirmou a mastologista Maira Caleffi, presidente da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama).
Segundo auditoria do TCU, o tempo de espera por um diagnóstico de câncer chega a 200 dias. “Esse tempo é suficiente para o câncer de mama passar do estágio 1 para o 3. Para cada milímetro de aumento no tamanho do nódulo, diminui 1% a chance de cura da paciente”, disse Caleffi.
O paciente enfrenta quatro etapas de atrasos em sua jornada para conseguir o diagnóstico no setor público: demora para a realização da primeira consulta com o especialista, atraso na realização do exame e, posteriormente, para a liberação do resultado. E mais atraso para a consulta de retorno, onde recebe a confirmação da doença.
A auditoria do TCU apontou como principais causas para o diagnóstico tardio:
1) A fragilidade na disponibilidade de exames;
2) A deficiência na distribuição de médicos e prestadores de serviços de saúde (patologistas, radiologistas, técnicos etc.);
3) Deficiência na regulação do acesso.O atendimento começa na Unidade Básica de Saúde e passa para um centro de média complexidade, em seguida para um de alta complexidade.
A auditoria constatou inconsistências nos sistemas de registro, dificuldade na implantação de protocolos e falta de critérios de priorização para pacientes com sinais e sintomas da doença;
4) Impossibilidade de calcular o tempo de realização do diagnóstico em função de inconsistências no sistema de registro de dados.
Segundo Rafael Kaliks, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor científico do Oncoguia, um tratamento oncológico adequado requer uma sequência de procedimentos que começa com a prevenção. São eles:
1) Controle dos fatores que envolvem risco de resultar em um câncer: tabagismo, consumo de álcool, obesidade e infecção por HPV, por exemplo;
2) Diagnóstico precoce;
3)Diagnóstico preciso, identificando tipo e subtipo de câncer;
4) Tratamento coordenado: oncologista clínico, cirurgião oncológico, radiologista etc.;
5) Modalidades de suporte: nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta etc.;
6) Enfermagem coordenada com a equipe médica.
“A partir do momento em que existe um panorama do que está acontecendo, é possível fazer ajustes e mudanças. Daí a importância dos dados”, disse Matos.
“E a Lei dos 30 dias (13.896/19, que assegura aos pacientes do SUS com suspeita de câncer o direito à realização de exames diagnósticos no prazo máximo de 30 dias) traz um empoderamento para a sociedade e uma meta para os gestores perseguirem.”
Fonte: Folha de São Paulo