
Partindo da compreensão de que os marcos legais são apenas o início do percurso percorrido rumo ao pleno acesso ao diagnóstico precoce e tratamento adequado, destacamos que a efetividade de uma política pública reside na disponibilização integral ao paciente de tudo aquilo que a regulamentação estabelece.
Considerando que as portarias SCTIE/MS nº 73, de 2021, e SCTIE/MS nº 98, de 2022, as quais oficializaram a incorporação de inibidores de ciclina e da medicação trastuzumabe entansina no SUS, foram os primeiros passos de uma longa caminhada, e que a publicação do PCDT Rosa, em 2024, foi mais um importante movimento, contabilizamos cada passo dado para mostrar o quanto já se caminhou desde a incorporação dos tratamentos pela CONITEC sem que as pacientes tenham o acesso, de fato, à essas medicações.
A grande questão é: quantos passos ainda precisam ser dados para que mulheres com câncer de mama avançado e metastático possam ter acesso às terapias mais adequadas para o seu tratamento?

Ao estabelecer um conjunto de normas e recomendações baseadas em evidências científicas que padronizam as linhas de tratamento nos centros e unidades de saúde, o PCDT Rosa visa garantir a todas as mulheres em jornada oncológica um cuidado de qualidade no Sistema Único de Saúde, independente de sua classe social, cor ou lugar onde reside. No entanto, sem a disponibilização dos novos medicamentos incorporados, o que se vê é a diminuição das chances de vida dessas mulheres e uma correlação direta com a mortalidade pela doença.

Mas, afinal, o que é o PCDT Rosa?
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de Câncer de Mama (PCDT Rosa) é um documento que padroniza os protocolos de cuidado no SUS. Em 2023, o Ministério da Saúde reconheceu a necessidade de atualização das regulamentações para acesso ao diagnóstico e tratamento oncológico no SUS, anunciando os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDTs com previsão de publicação no ano seguinte. Em fevereiro de 2024 foi publicado o Relatório Preliminar do PCDT de Câncer de Mama e, em março, a Consulta Pública Conitec/SECTICS nº 04/2024 convocou a participação das pacientes para sua formulação.
Ao longo de outubro, mobilizamos a sociedade para cobrar a publicação do PCDT Rosa. Na manhã do dia 06 de dezembro, o documento oficial foi disponibilizado pelo Ministério da Saúde, com o objetivo de orientar profissionais de saúde em todo o país, definindo e padronizando os protocolos no SUS.
Esse documento estabelece as melhores práticas para o diagnóstico, tratamento e acompanhamento do câncer de mama, a serem seguidos pelos gestores do SUS. Seu objetivo é padronizar o cuidado, assegurando que toda paciente tenha acesso a um tratamento universal, eficaz e seguro.
Além de indicar os protocolos de rastreamento e exames para fins de diagnóstico, o documento tem como objetivo orientar profissionais de saúde sobre os melhores tratamentos e práticas para o cuidado com o câncer de mama, definindo e padronizando protocolos. A função do PCDT é orientar e facilitar a escolha das melhores opções terapêuticas, aumentando as chances de um diagnóstico precoce e criando condições para uma maior eficácia dos tratamentos. Além disso, a padronização dos procedimentos otimiza a utilização dos recursos disponíveis no sistema de saúde público e privado.

Saiba mais sobre o PCDT
Mas por que ele é tão importante?
O câncer de mama é uma das principais preocupações de saúde pública no Brasil. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), são esperados 74 mil novos diagnósticos em 2025. Destes, cerca de 30% podem se tornar metastáticos. Mesmo assim, muitas mulheres enfrentam dificuldades no acesso ao diagnóstico e ao tratamento no SUS.
O que muda com a aprovação do PCDT Rosa?
O documento estabelece e padroniza em todo o território nacional os critérios diagnósticos e terapêuticos do câncer de mama com base em evidências que garantam a segurança, a efetividade e a reprodutibilidade, para orientar condutas e protocolos assistenciais. Sendo assim, além de indicar os protocolos de rastreamento e exames para fins de diagnóstico, tem a finalidade de orientar profissionais de saúde, facilitando a escolha das melhores opções terapêuticas e práticas para o cuidado com o câncer de mama, aumentando as chances de um diagnóstico precoce e criando condições para uma maior eficácia dos tratamentos. Vale ressaltar que a padronização dos procedimentos também otimiza a utilização dos recursos disponíveis no sistema de saúde, possibilitando uma maior custo-eficiência da política pública.
Como era antes do PCDT?
Antes da publicação do documento o tratamento do câncer era regulamentado por Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT), documentos elaborados e atualizados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) com base em evidências científicas e recomendações que visam nortear as melhores práticas e condutas em prol dos pacientes na área da oncologia.
A principal diferença das DDTs em relação aos PCDTs é que estes documentos utilizados anteriormente não se restringem às tecnologias incorporadas no SUS, mas sim ao que pode ser oferecido aos paciente, considerando o financiamento repassado aos centros de atenção e a autonomia destes na escolha da melhor opção para cada situação clínica. Em razão do sistema diferenciado de financiamento dos procedimentos e tratamentos em oncologia no SUS, surgiu a necessidade de indicação de protocolos, para fortalecimento das diretrizes de cuidados através da publicação do PCDT Rosa.
Qual o motivo do atraso na disponibilização das medicações para câncer de mama avançado e metastático no SUS?
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Câncer de Mama define quais tratamentos devem ser oferecidos para cada tipo e estágio da doença, conforme estabelecido pela Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC).
Antes da implementação do PCDT, cada unidade ou centro de assistência em oncologia decidia, de forma independente, quais terapias seriam utilizadas, o que resultava em grandes desigualdades no acesso e na qualidade do cuidado prestado, diferenças que ainda persistem. Nesse sistema, o repasse de recursos federais para custeio dos tratamentos é feito diretamente aos centros de atenção oncológica, com base nos valores das Autorizações de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade (APACs). No entanto, esse orçamento muitas vezes não cobre o custo real dos medicamentos e os pacientes ficam sem acesso.
A padronização proposta pelo PCDT é fundamental, pois permite ao Ministério da Saúde realizar compras centralizadas, reduzindo os custos e ampliando o acesso da população aos tratamentos. Ainda assim, o PCDT não está integrado a um sistema específico de precificação e financiamento de medicamentos no SUS. Por isso, é necessária a publicação de uma portaria do Ministério da Saúde que estabeleça regras claras para o acesso a novos medicamentos e regulamente a criação do Componente da Assistência Farmacêutica em Oncologia (AF-ONCO).
Qual é a situação atual de disponibilidade de terapias para câncer de mama avançado e metastático no SUS?
Um estudo publicado este ano no Jornal de Assistência Farmacêutica e Farmacoeconomia analisou a disponibilidade de medicamentos antineoplásicos incorporados ao SUS entre 2012 e 2024. Dos 24 medicamentos avaliados, apenas oito estão plenamente disponíveis aos pacientes, um possui acesso parcial e 15 ainda não estão acessíveis. É o caso dos iCDKs e TDM-1, indicados no PCDT para o tratamento do câncer de mama avançado e metastático, que deveriam estar disponíveis na rede pública há mais de 40 meses.
A pesquisa também revelou que a maioria dos medicamentos que os usuários do SUS têm acesso são adquiridos por meio de compras centralizadas pelo Ministério da Saúde. No entanto, mesmo nesses casos, há uma média de 66 meses entre a incorporação do medicamento ao SUS e a publicação do primeiro contrato de aquisição.
