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Demora em diagnosticar câncer pelo SUS reduz chances de cura

O tempo médio para diagnóstico do câncer no Brasil é de 270 dias na rede pública de saúde. Essa demora faz com que cerca de 80% dos pacientes com algum tipo da doença comecem o tratamento em estágios mais avançados – portanto, com menores chances de cura. A conclusão é do Tribunal de Contas da União (TCU), que, em acórdão divulgado na última semana, pediu uma solução do Ministério da Saúde. O órgão quer que, até novembro deste ano, a União apresente um plano de ação para agilizar os processos do Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto isso, aponta o TCU, a cada hora, pelo menos 27 pessoas morrem vitimadas pelo câncer no Brasil, a principal causa de óbito em 516 cidades, praticamente 10% do total.

As investigações foram provocadas por denúncias feitas por Organizações Não Governamentais (ONGs) de apoio aos pacientes com câncer. A auditoria considerou a realidade de 14 Estados, dentre eles Minas. Ao cruzar dados do Ministério da Saúde e de ONGs e entrevistas com pacientes, os procuradores descobriram que, das 155.165 pessoas com tratamentos contra a doença iniciados em 2017, 86.063 foram socorridas já nos estágios três e quatro da doença.

Isso significa que 55,5% dos brasileiros atendidos pela rede pública começaram a lutar contra a enfermidade nos estágios mais graves. Para alguns tipos de cânceres, como de tireoide, pulmão, cavidade oral e estômago, sobe para 80% o percentual de pessoas que passaram por isso.

Para além dos números, quem sofre são os pacientes. “Há uma dificuldade muito grande no trâmite desde a consulta com o médico geral, quando (o câncer) ainda é apenas uma suspeita, até o atendimento especializado. A demora entre os exames é enorme”, afirma o coordenador do serviço de Oncologia Clínica do Hospital Alberto Cavalcanti, João Paulo Solar Vasconcelos.

O pequeno André Pereira Souza, 9, é uma das vítimas desse sistema. Em junho do ano passado, surgiram bolhas pelo corpo dele, que começaram a ser tratadas como catapora, em casa. Com o agravamento do quadro, ele foi levado ao posto de saúde em Itambacuri, na região do Rio Doce, onde a família descobriu que era necessário fazer uma biópsia. Sem encaminhamento do posto para o exame, o menino teve que fazer o procedimento na rede particular, em Teófilo Otoni, a 30 km da cidade.

“André tinha um tipo raro de linfoma e precisava ser tratado em BH. Mas demoraram muito para nos dar encaminhamento para o hospital especializado. As bolhas já estavam tampando a garganta dele e dificultando a respiração”, conta a mãe, Nébia Pereira de Souza, 41. Foram mais de 90 dias tentando começar o tratamento.

Ele foi curado do linfoma, mas luta contra a leucemia adquirida no processo. “Como demorou demais a começar o tratamento, a doença atingiu a medula”, lamenta.

Respostas

Estado. A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais disse, em nota, que “cada município é responsável pela gestão da fila de pessoas que aguarda por tratamento para câncer no seu território”.

União. O Ministério da Saúde disse, em nota, ter conhecimento do acórdão do TCU. Para o órgão, a auditoria não representa o cenário nacional por incluir só oito tipos de cânceres mais prevalentes no país. A pasta diz que, de 2010 a 2018, os recursos destinados ao tratamento do câncer mais que dobraram, indo de R$ 2,2 bilhões para R$ 5 bilhões.

Plano de ação

O plano que a União precisa fazer, a pedido do tribunal, deve incluir explicações sobre a demora no diagnóstico de câncer e apresentar medidas a serem adotadas, com prazos. Não há sanção prevista por descumprimento.

Diagnóstico rápido amplia chance de sobreviver

A demora no diagnóstico tem custado vidas. “Os elevados tempos de espera podem produzir consequências graves para os pacientes, como a diminuição das suas chances de cura e do tempo de sobrevida”, afirma o Tribunal de Contas da União (TCU). Para se ter uma ideia, quando um câncer de mama é descoberto no início, as chances de um paciente sobreviver ao menos cinco anos após o diagnóstico é de 83%. 

Se o diagnóstico acontece já em nível três, a probabilidade de sobrevivência cai para 43%. No último nível, chega a apenas 7,9%. “Em uma comparação grosseira, a cada milímetro que o tumor cresce, o paciente perde 1% de chance de ficar vivo. Por isso, é uma corrida contra o tempo”, afirma o presidente do Conselho Técnico Científico da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (FEMAMA), o oncologista Ricardo Caponero.

Espera é acima do prazo legal

O diagnóstico demorado é apenas a primeira grande luta pela vida enfrentada pelos pacientes com câncer no Brasil. Afinal, mesmo que a Lei Federal 12.732/2012 determine a realização do primeiro procedimento no tratamento contra a doença em, no máximo, 60 dias após a comprovação, isso nem sempre acontece. Em Minas, 1.057 pessoas diagnosticadas a partir de janeiro deste ano esperaram mais do que dois meses para passar por quimioterapia, radioterapia ou cirurgia.

Segundo dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), desde 2013, 134,1 mil pessoas começaram o tratamento contra o câncer em Minas Gerais. Quase metade delas, ou 59,8 mil (44,59%), teve que esperar mais do que 60 dias pela assistência. 

São vários os fatores que justificam essa demora. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, faltam equipamentos e especialistas em várias partes do país. “O Brasil é um país muito plural, e temos lugares totalmente sem estrutura. Para piorar, as etapas de tratamento são muito fragmentadas. A porta de entrada do paciente é o posto, mas não é lá aonde ele vai efetivamente para se tratar”, afirma a presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz.

Além disso, segundo o TCU, os valores pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para arcar com os procedimentos estão defasados, o que dificulta a realização de certos tratamentos. Essa situação é vivenciada até mesmo em hospitais de referência da capital mineira.

“Hoje, na oncologia do SUS, têm doenças que não conseguimos tratar porque os hospitais não são remunerados. Um paciente com melanoma, por exemplo, não precisaria ser tratado com quimioterapia. Mas todos são tratados com químio porque o SUS não remunera o suficiente para pagar um tratamento menos tóxico”, conta o coordenador do serviço de Oncologia Clínica do Hospital Alberto Cavalcanti, João Paulo Solar Vasconcelos.

 

Fonte: O Tempo, 01/09/2019

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